Algarve tem fumadores a mais ...
“Genericamente, os homens têm tendência para diminuir e as mulheres para aumentar”, adianta Fernanda Nascimento, coordenadora regional do Programa de Prevenção das Doenças Pulmonares Obstrutivas Crónicas, que lamenta sobretudo a incidência do tabagismo nos adolescentes, grupo etário em que as primeiras “passas” são vistas como sinal de pertença ao grupo.
Na região, as consultas públicas de apoio aos fumadores estão ainda no princípio: existentes no Hospital de Faro desde Janeiro de 2003, e em Tavira desde Maio de 2006, só há poucos meses se começaram a alargar a outras zonas.
Os centros de saúde de Vila Real de Santo António, São Brás de Alportel e Olhão têm consultas desde há alguns meses e a eles se juntará neste início de ano o centro de saúde de Loulé.
No Hospital de Faro, efectuaram-se até agora 287 consultas, das quais 75 por cento foram “primeiras consultas”, em que predominaram doentes com problemas cardio-vasculares e respiratórios, mas também com diabetes, tumores da bexiga e VIH (vírus da sida).
“Para lá das consultas, nesta fase o importante é que temos pelo menos um médico e um enfermeiro com formação na área em cada centro de saúde do Algarve, de forma a prestar apoio intensivo durante um ano a quem os procura”, assinala por seu turno a enfermeira Aline Candeias, da Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve.
Nos últimos tempos, Aline Candeias tem-se desdobrado no apoio à formação do pessoal da área da saúde e na coordenação de acções no âmbito do Conselho Nacional de Prevenção do Tabagismo.
“Se um paciente vir o seu médico ou enfermeiro a fumar, qual é que será a sua motivação?”, questiona, observando que, independentemente das consultas de cessação tabágica, o pessoal da área da saúde está cada vez mais consciente do papel pedagógico fundamental que detém para ajudar os que querem deixar de fumar.
A normalização do não-fumo é, para Fernanda Nascimento, um passo decisivo na luta anti-tabágica: “Para que o fumador contemple a ideia de deixar de fumar, é essencial que se normalize o facto de não fumar”.
Nesse sentido, salienta, a nova lei que entra em vigor esta terça-feira “cria um clima favorável para que, sobretudo os adolescentes e os mais jovens, se convençam que o normal é não fumar”. O aumento do preço do tabaco é outro empurrão na luta anti-tabágica.
O passo seguinte, sublinha, é – com essa referência de o não-fumo ser “normal” - dar voz aos não fumadores, tantas vezes transformados em fumadores passivos: “Há apenas 20 por cento de fumadores, mas os restantes 80 por cento estão tão habituados à sua presença, que os prejudica, que não reivindicam os seus direitos a não respirarem o fumo dos outros”.
Para lá da ajuda aos que já fumam, a clínica coordenadora da ARS considera fundamental continuar a política de prevenção, evitando que os mais novos e os que não fumam se dediquem ao cigarro.
Os últimos dados do continente português são animadores: em sete anos (de 1998/99 para 2005/2006), a taxa de prevalência passou de 20,6 para 19,6 por cento.
Nos homens, a taxa baixou de 32 para 28,7 por cento, embora tenha aumentado nas mulheres de 10,1 para 11,2 por cento. Nos jovens entre os 15 e os 24 anos, 24,2 por cento eram fumadores.
No entanto, advogam as duas responsáveis da ARS, é preciso continuar a insistir nos tratamentos, com a ajuda de medicamentos. “Neste momento ainda não há lista de espera, embora se admita que, com a nova lei, possa começar a haver no início de 2008”, enuncia Fernanda Nascimento.
A médica ressalva, contudo, que a procura de consultas “só não tem crescido mais porque não há ainda poder de resposta”.
Baixa de Faro expulsa fumadores…
Uma reportagem em alguns estabelecimentos da Avenida 5 de Outubro e da baixa não deixa dúvidas: apesar de a maioria dos proprietários ter mudado várias vezes de opinião nos meses recentes, gerou-se nas últimas horas um movimento “proibicionista” e os clientes fumadores terão que, doravante, optar pelas esplanadas, onde continua a ser permitido o fumo.
As despesas com os extractores de fumo previstos na lei que hoje entra em vigor e o facto de a própria legislação não ser clara acerca das características desses aparelhos, são as principais razões para este “cortar do mal pela raiz” antecipado ao Observatório do Algarve pela maioria dos comerciantes.
“Eu até tenho extractores, mas sei lá se a capacidade de sucção será suficiente quando sair uma lei que determine esses valores”, justificou Cristina Oliveira, 40 anos, proprietária do café “A Framboesa”, na 5 de Outubro, próximo do Tribunal de Faro.
Como muitos vizinhos (entre os quais os clássicos Taco d’Ouro e Copacabana), Cristina e o marido optaram pelo “não fumo” há poucas semanas, depois de terem constatado que, como enfatiza a comerciante, 90 por cento dos concorrentes ia seguir o mesmo caminho.
Muitas vezes, o casal (não fumador) tem que ligar o ar condicionado, porque o extractor não chega, mas uma das coisas que, explicita Cristina Oliveira, mais os levou à decisão final, foi o facto de, em caso de necessidade de novos aparelhos de exaustão, o senhorio não querer obras.
Proibir para “evitar problemas”
Problemas semelhantes tem o concorrente Fernando Rolo Santos, 34 anos, proprietário da pastelaria “Flor da Avenida”, do outro lado da 5 de Outubro: “Os extractores nem sequer estão consagrados na lei”, observa, garantindo que no seu outro estabelecimento de Faro – o restaurante Flor da Ria Formosa, no edifício Ria Mar – seguirá o mesmo caminho.
Dono de um dos mais famosos estabelecimentos da baixa de Faro, o café/pastelaria Gardy, Ângelo Dias, 65 anos, reconhece que “evitar problemas” foi uma das razões para proibir o fumo naquela casa, situada no coração da Rua de Santo António.
“Nem que eu tivesse o melhor sistema do mundo, se dividisse a casa em dois haveria sempre algum fumo que ia para outro lado”, explica o proprietário da Gardy, um estabelecimento de mais de 100 metros quadrados e que portanto, ao contrário dos dois anteriores, poderia permitir a divisão, de forma a agradar a “gregos e troianos”.
“Se dividisse a casa, os fundamentalistas de um lado e de outro não iriam perceber. Assim, tenho a certeza que os fumadores perceberão”, afirma. E invoca os casos dos aeroportos, centros de saúde e pavilhões desportivos, onde os utentes fumadores se foram habituando às regras da proibição.
Até porque, salienta o proprietário da Gardy (mas também da vizinha croissanteria Gardy e do restaurante Ângelo, em Vale de Lobo, onde as mesmas regras serão seguidas), já lá vai o tempo em que os cinzeiros que se deixavam nas mesas vinham cheios. “Hoje em dia, em muitos casos demoram um dia inteiro a encher”.
Por trás do balcão da vizinha Cinderela, o gerente Vítor Lima, 32 anos, jura que nem ali nem na casa-gémea da Rua de Portugal se poderá fumar a partir desta terça-feira.
“Já tive mais medo que os clientes fugissem”, reconhece, observando que, “na Baixa, praticamente todos os estabelecimentos se devem tornar não fumadores” e que, portanto, um fumador que escolha a casa em função dessa permissão “vai ter que andar muito”.
Garantindo que os seus colegas não fumadores se queixavam frequentemente do fumo que lhes impregnava roupa cabelo e pulmões, Vítor Lima reconhece que “deveria haver uma orientação” relativamente ao poder de sucção dos exaustores, mas está satisfeito com a solução encontrada pelo patrão.
No bairro é mais complicado…
Tal como o marido – proprietário do Café do Coreto e da gelataria Margarida, no Largo da Pontinha, onde passa também a ser proibido fumar -, Aurora não receia perder clientes: “Só se for nos primeiros dias, porque depois disso voltam”, garante.
“Não voltam, não”, responderia logo ali, se pudesse, António Marques, 47 anos, dono do café Aquário, no bairro do Bom João, o único dos proprietários de estabelecimentos com menos de 100 metros que asseverou que continuará a deixar fumar.
“Pelo menos 90 por cento dos meus clientes são fumadores. E garantidamente ia perder clientela”, assegura, receoso de que os clientes-vizinhos de anos que ali bebem a bica ou tragam o bagaço lhe fujam para um dos dois ou três concorrentes da vizinhança.
Ao contrário dos seus colegas da Baixa – que, analisa, estão em locais de passagem e não têm que se haver com vizinhos que passam muito tempo a beber a bica e conversar -, António Marques está convencido que a nova lei não trará a alteração de um hábito de anos.
“Só se o preço do tabaco subisse muitíssimo”, observa o proprietário, ele próprio não fumador e, garante, com “problemas crónicos” devido ao tabaco dos outros.
A única mudança que propõe para o seu estabelecimento é que os quatro extractores que instalou há sete anos passarão a estar ligados todo o dia, pelo menos até que alguém lhe prove, como faz questão de frisar, que a outra atitude é a mais correcta e, portanto, que não perderia clientes se proibisse o fumo.
“Isto devia ser para todos… concordo com a versão inicial da lei, que dizia que era proibido fumar em todos os estabelecimentos com menos de 100 metros “, diz.
A excepção Aliança
Já as duas casas com mais de 100 metros quadrados contactadas teriam provavelmente as mesmas decisões diametralmente opostas que tiveram, caso a versão inicial da lei se mantivesse.
A proibição vigora a partir de hoje no restaurante “Dois Irmãos”, cujo gerente, Henrique Brasuna, 40 anos, não esconde o receio de que os clientes fujam para lugares mais permissivos.
“Devia ser proibido para todos ou então para ninguém”, opina, convencido de que assim se resolveria o problema dos “clientes fugitivos”.
No entanto, são as avultadas obras que implicaria a opção de dividir a casa (segundo a lei, o máximo permitido para fumadores é de 40 por cento do espaço existente) que fazem pender a balança para o lado da proibição.
Já no velho Aliança, continuará a ser permitido fumar no salão de entrada (cujo espaço para fumadores será até alargado a todo esse recinto), embora os não fumadores tenham uma sala, no interior.
“Acho que não vamos ser beneficiados com esta decisão, mas o patrão quis assim e assim será”, admite José Lagoas, 46 anos, gerente do mais velho café de Faro, com 104 anos, que tem extractores instalados há já alguns anos.
(João Prudêncio)
Um comentário:
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