Petição pela cultura do Algarve...
Como simples cidadão apaixonado pela cultura, aqui entendida como a produção do saber, arte, folclore, mitologia, costumes, etc., bem como à perpetuação destes valores, pela sua transmissão de uma geração à outra, venho, com todo o respeito, peticionar junto do Sr. director da Autoridade da Segurança Alimentar e Económica (ASAE) o seguinte:
Considerando que se aproxima a Festa das Chouriças, realizada em Querença, no conselho de Loulé, um evento marcante da cultura popular do Algarve, nas vertentes gastronómica e das tradições etnográficas e religiosas;
Considerando que se instalou, junto dos artesãos dos produtos agro-pecuários e de outras técnicas ancestrais, diferenciadoras do saber fazer e saber estar dos algarvios, um clima de atemorização, acentuado pelo conhecimento que as brigadas que o senhor dirige terão, eventualmente, sido sujeitas a treino militar, à semelhança dos marines americanos e dos fuzileiros e comandos portugueses, popularmente conhecidos por “rambos”;
Considerando que o organismo que o senhor superiormente dirige elegeu como a Grande Ameaça para os direitos dos consumidores- de que a Autoridade da Segurança Alimentar e Económica se considera a mais lídima defensora – os cafés e restaurantes, bem como as feiras e mercados, sejam os certames destinados a vender roupas, quinquilharias, produtos hortícolas, ou uma expressão dos saberes, hábitos e costumes;
Considerando que a organização que o senhor superiormente dirige, cumpre à risca a lei, não admitindo nenhuma excepção - a não ser a de se poder fumar em áreas de jogo, aqui citada a título meramente exemplificativo, i.e. que “a excepção confirma a lei” - pelo que contribui activamente para o desaparecimento dos produtores artesanais das feiras, o que coloca em risco a perpetuação pela transmissão de uma geração à outra, dos referidos saberes, usos e costumes, ou seja, ameaça a cultura;
Considerando ainda o facto de, na última edição da Feira dos Enchidos de Monchique, face ao ambiente já descrito nos anteriores considerandos, os consumidores interessados naqueles sabores únicos e genuínos terem de se conformar a provar chouriça assada no microondas, não fosse a fiscalização aparecer e multar os assadores a carvão;
Mais considerando que muitos produtores já não vão aos certames com os seus produtos, por receio, uma vez que não conseguem transpor as receitas centenárias para os produtos normalizados e liofilizados que se adquirem nas grandes superfícies, onde os selos de origem além de uma letra corpo 5 a exigir lupa, muitas vezes não cumprem as directivas, tema a que o organismo que superiormente dirige está certamente atento;
Considerando que os considerandos expostos são já suficientes para entender a situação, tem esta petição os seguintes objectivos:
1.- Que a ASAE solicite a regulamentação da Lei no sentido de defender os consumidores e lhes permita saborear chouriças confeccionadas e assadas tradicionalmente, nos lugares do costume e nas datas das feiras centenárias;
2.- Que a ASAE emita uma directiva interna para as suas equipas/ grupos/esquadrões ou pelotões, no sentido de serem definidas prioridades de fiscalização, iniciando-se as mesmas pelas actividades económicas mais determinantes, ou seja os grupos económicos que dominam o comércio por grosso e a retalho, ao invés das acções dirigidas às micro-empresas de cariz familiar, mais vulneráveis, e incapazes de contratar batalhões de advogados para evitarem o cumprimento cabal e estrito - que o senhor tanto aprecia, com as devidas excepções - de leis como as da concorrência, dos resíduos ambientais e da poluição, do dever de informação e mais algumas que seria fastidioso enumerar.
3.- Concluindo: peticiono para que a ASAE se atire às despesas escondidas que os bancos cobram aos consumidores, arrase a publicidade enganosa, se bata pela existência de livro de reclamações em grandes superfícies comerciais, fiscalize importações e exportações, mas também serviços públicos, de saúde, finanças, etc e outras entidades de grande porte, para defesa dos direitos dos consumidores, e já agora por uma da lei justa.
Em resumo, petiono para que a ASAE não faça dos mais fracos a coroa de glória, não vulgarize o clima de terror, e se associe aos cidadãos que gostam de comer chouriças assadas, D. Rodrigos feitos com ovos verdadeiros, cabidela de galo caseiro, ou os pastéis de bacalhau da D. Miquelina.
Peticiono, respeitosamente, que defenda a cultura.
(in “Observatório do Algarve” – Conceição Branco)
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