Ludo tem flor “por um dia” única no Mundo
A sua vida resume-se a algumas horas.
Nasce num qualquer dia de Maio, aos primeiros raios de sol, e morre ao início da tarde.
Um autêntico hino à efemeridade da vida.
A alcar-do-Algarve tem estatuto máximo de protecção ambiental mas está ameaçada pela pressão urbana. A planta de que nasce aquela flor é uma espécie endémica da zona central do Algarve, da família das estevas, cuja população se concentra no Ludo e em Gambelas (Faro), com pequenas aglomerações em outras áreas a poente da Ria Formosa, do Ancão à Quinta do Lago.
“Foi aqui que ela evoluiu, adaptando-se a este micro-clima e estas condições únicas de desenvolvimento”, enfatiza a professora universitária Jacinta Fernandes, um dos seis membros de uma equipa que desde há dois anos se dedica ao primeiro grande estudo sobre a tuberaria major, que deverá estar concluído no próximo ano.
O segredo da evolução em tão apertado espaço ambiental parece residir no facto de ser uma planta de clareiras, que para viver não gosta de sombras nem de outras espécies, enuncia a especialista da Faculdade de Engenharia dos Recursos Naturais.
“Aqui ela encontrou os solos ferraginosos e os terrenos arenosos que lhe permitiram evoluir ao longo de muitos milhares de anos”, acentua Jacinta Fernandes, ela própria “vizinha” da espécie que estuda, já que a sua faculdade se encontra no campus de Gambelas, paredes-meias com o habitat natural do seu objecto de estudo.
Mas um outro factor está a ser alvo de atenção por parte dos universitários que se dedicam ao estudo desta pequena esteva, de onde despontam as pequeninas flores efémeras: as temperaturas que propiciam o seu nascimento.
A planta da família das cistaceas tem uma semente dura, de características resinosas, que rebenta com choques térmicos, pelo que é nas situações posteriores aos fogos que ela germina com mais intensidade.
Segundo Jacinta Fernandes, o grupo de que faz parte – dirigido pela professora Maria João Correia – tem vindo a confirmar aquela observação, já inscrita no plano sectorial da Rede Natura 2000 do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) e essa será uma das vertentes do estudo.
Mas o choque térmico que propicia o derretimento das ceras envolventes do pequeno pistácio de que nasce a minúscula esteva em vias de extinção não advém só dos fogos: as características do solo, de areia e cascalho, e o próprio facto de não ter muita sombra, propicia condições naturais favoráveis, devido às temperaturas de 70 a 80 graus que ali se atingem.
Os solos onde desponta a pequena planta heliófila (porque vive directamente da luz do sol) estão cheios de sementes – do tamanho de caroços de azeitona -, prontas a rebentar ao mais pequeno choque térmico.
Uma só planta pode dar várias flores, que vão despontando, polinizando e morrendo logo a seguir, entre Março e Maio. As pétalas amarelas não duram mais de uma bela manhã de Primavera, deixando-se depois arrastar pelo vento, rumo à eternidade.
Uma bela metáfora da vida, que recentemente levou o grupo de teatro Al-MaSRAH a trazer a palco a peça “Efemeridade”, encenada por Pedro Ramos, que retrata a estreita relação entre esta minúscula flor amarela que pontua os dias claros do Algarve e as nossas próprias vidas.
O público que acorreu ao Palácio da Galeria era convidado a assistir à exposição fotográfica de Roberto Santos, que prendeu em dezenas de instantes eternos a efemeridade da pequena flor algarvia.
(João Prudêncio)
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