segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Aviação: Spotters à portuguesa!


Spotters, ou fotógrafos de aeronaves em Faro

Muitos dos que os vêem colados às redes, de câmara apontada à pista, chamam-lhes “malucos dos aviões”, mas eles – os spotters, ou fotógrafos de aeronaves – garantem que se trata de um passatempo bem divertido. Em Portugal há centenas, mas há milhares distribuídos pelos aeroportos do Mundo. E levam o “hobby” bem a sério.

“Durante muito tempo fui o único que para aqui vinha, estava cá de manhã à noite”, recorda Pedro Aragão, 60 anos, porventura o mais velho dos cerca de 30 spotters que demandam quase todos os dias os corredores de terra batida paralelos às redes do lado nascente do aeroporto de Faro.

Tudo começou em 1979, trabalhava ele na estação meteorológica do aeroporto de Faro: “Como só tinha que fazer relatórios de meia em meia hora, nos intervalos vinha para a pista fotografar aviões”.
Até que, relata, foi promovido a coordenador – cargo que ainda desempenhou quatro anos - e “teve” que se despedir, porque as novas funções eram incompatíveis com o “hobby”, explica Pedro Aragão, hoje reformado, que já contabiliza mais de 30 mil aviões fotografados.
De resto, coleccionar fotos de aviões como se fossem selos de correio é o tipo de “spotting” mais puro, nas palavras
de Luís Rosa, 36 anos, funcionário do aeroporto de Faro, um dos mais conceituados fotógrafos de aviões do País, para quem a essência da actividade é precisamente o coleccionismo.
Que inclui, em alguns casos, fotografar determinada matrícula, que corresponde a determinado modelo e se encontra – provisória ou definitivamente – numa certa companhia de aviação.
Contudo, ressalva
Luís Rosa, há muitos tipos diferentes de “spotters”: enquanto os mais puristas se dedicam às matrículas, outros fotografam um certo modelo de uma companhia (mesmo que a empresa tenha vários aviões iguais, basta um), outros ainda procuram uma vertente mais “artística”, ainda que não descurem o lado coleccionista do passatempo.
Com várias “coroas de glória” artísticas no currículo,
Luís Rosa é famoso no meio por alguns ocasos, num dos quais um avião a aterrar praticamente eclipsou o sol vermelho que se punha a ocidente da Ria Formosa.
“Esse foi um acaso feliz, mas essa sorte tem que se procurar e é essa busca estética que me dá gozo”, sublinha o fotógrafo de aviões, também célebre por uma outra foto, de uma aeronave que atravessa uma enorme lua cheia.
Quando começou, durante a Segunda Guerra Mundial, o spotting era simples observação de aeronaves e isso, o simples testemunhar
do momento de uma descolagem ou aterragem, “é muito pessoal, não é para coleccionar cromos”, filosofa Luís Rosa, para quem os aviões, ao fim de alguns anos, “passam a ser velhos amigos, velhos conhecidos”.
“Há quem tenha o mesmo avião pintado de cores diferentes duas ou três vezes, porque vai mudando de companhia ou de pintura dentro da mesma companhia”, assinala
Luís Rosa, que já “tratou por tu” os TAP da Expo’98, do Euro 2004 e da promoção turística do destino Algarve e assistiu depois às respectivas repinturas.
No contexto nacional, Faro é considerado um bom aeroporto para o “spotting” devido à limpeza paisagística, que permite imagens sem interferências de arbustos, redes muito altas, postes e candeeiros, ou grandes enchentes de aeronaves, que noutros lugares dificulta a recolha do “motivo” por parte dos fotógrafos.
“Faro é o aeroporto com mais diversidade de companhias aéreas, empatado com Lisboa, a muita distância do Porto e das ilhas”, explica
Luís Rosa, observando que num “bom dia” de Verão podem registar-se 240 movimentos de aeronaves, isto é, 120 aterragens e outras tantas descolagens.
Um “paraíso acrescido” durante eventos grandiosos, como o Euro 2004, quando a parafernália de modelos e companhias trouxe à capital algarvia e a outros aeroportos nacionais “spotters” de todo o Mundo.
Ao contrário de Pedro e Luís, o jovem
Ricardo Gomes, 18 anos, não tinha nada a ver com aviões quando começou no divertimento, com apenas 13 anos.
“Sou dos arredores de Loulé e os aviões passavam lá por cima de minha casa. Então pedi à minha mãe para me trazer ao aeroporto, para os ver mais de perto, e um dia tive a ideia de registar os aviões em fotos”, esclarece.
Hoje, cinco anos depois de incubado o doce “vírus”, Ricardo chega a faltar à escola quando sabe que um modelo mais raro vai percorrer – ou já percorreu e vai descolar – a pista
do aeroporto de Faro.
Ele, que nunca andou de avião, é dos que “puros”, que coleccionam matrículas.
“Há colegas ‘spotters’ lá de dentro que me avisam e venho a correr, de mota”, elucida o jovem, que não há muitos dias apanhou uma “seca” de tarde inteira por causa de um raro A310 da companhia White, com hora de descolagem prevista para as 14:30, mas que acabou por levantar voo às sete da tarde.
A aterragem em
Faro de um velho Boeing 707 ou um 747 são festejadas entre os fotógrafos, devido à raridade do acontecimento, esclarece, ainda recordado de uma mensagem que recebeu numa manhã de 2004, que falava da iminência da chegada de um 747, também conhecido por Jumbo, da companhia Corsair.
“Vim para cá a correr, nem almocei nem nada. Um 747 é uma raridade em Faro, este ano ainda não aterrou nenhum e no ano passado só houve três”, garante, ele que conhece as “ocorrências” de naves raras devido à rede “spotter” que engloba vários trabalhadores do aeroporto.
Como a maior parte dos “spotters”, Ricardo atreve-se a um pequeno monte fronteiro à pista única
do aeroporto de Faro (que tem o mérito de ficar muito mais alto do que a rede de 2,5 metros, o que torna a pista visualmente limpa) munido de um pequeno aparelho de rádio, onde escuta toda a comunicação entre a torre de controlo e as tripulações.
Por 210 euros, os entusiastas ficam a saber da aproximação de uma aeronave ainda a
50 milhas, de que lado da pista será a aterragem, de que companhia é e qual o voo.
As fotos são depois colocadas
em sites da Internet especializados em “sppoting”, dois dos quais são portugueses – www.portugalspotters.org e www.algarvespotters.net – e têm colecções de milhares de aparelhos.
Longe vão os tempos em que o decano Pedro Aragão gastava parte substancial do ordenado no envio de fotos por correio um pouco para todo o mundo, para “trocar os cromos”.
“No meu tempo, gastava 300 euros por mês só em filmes”, afiança o “spotter” sénior, que só em 2004 se converteu ao digital, mas na era da película chegava a gastar um rolo inteiro num avião.
Durante 10 anos, Aragão esteve sozinho por aquelas bandas, “chegava a ficar junto à rede das 6:00 da manhã às 6:00 da tarde sem comer nem beber, quem por ali passava chamava-me o maluquinho dos aviões”, recorda o veterano, que não “faz” matrículas mas apenas modelos
de companhias de aviação.
Hoje, continua a fazer esperas prolongadas junto às redes dos aeroportos de toda a Europa: “Este Verão, em Frankfurt [Alemanha], estive oito dias, 12 horas por dia, debaixo de temperaturas de 46 graus”, afirma o fotógrafo, cujo entusiasmo em fotografar aviões é inversamente proporcional ao que confessa ser um “autêntico pavor” de voar.
Em Portugal, Pedro Aragão só lamenta algumas atitudes da polícia, que diz contrastarem fortemente com a compreensão e até alguma simpatia com que os “spotters” são vistos em todos os outros países europeus onde já fotografou.
“Em Espanha, onde têm o terrorismo, é compreensível que sejam um pouco mais severos. Pois bem, uma vez vieram ter comigo educadamente, pediram-me a identificação, e no fim pediram-me desculpa pelo incómodo”, relata.
Em oposição, alguns agentes portugueses e vários seguranças “só se preocupam em confundir-nos com terroristas e em tapar-nos um ou outro buraco que haja na rede”, lamenta.
“Não percebem que onde há fotógrafos não há terroristas, eles odeiam ser fotografados”, ironiza, sorrindo, o histórico da fotografia de aviões.

(João Prudêncio)
Fotos: Osores

Um comentário:

Anônimo disse...

Atenção que não é só spotter quem tira fotografias, mas também quem faz videos ou regista apenas as matriculas.