segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Aviação comercial: Engodo às low-cost "voa" dos nossos bolsos …



Engodo às low-cost - "voa" dos nossos bolsos …

Os contribuintes portugueses pagam seis euros por cada passageiro que algumas low cost conseguem transportar para Faro. Mesmo assim, as companhias não têm pejo em abandonar rotas, seis meses depois do primeiro voo. Aconteceu com Barcelona e, há poucos dias, com Madrid.

O fenómeno não é muito recente, nem sequer exclusivo de Faro – estende-se pela Europa – e está a provocar uma guerra surda entre destinos turísticos concorrentes, alguns dos quais chegam a pagar às companhias sete ou oito euros por cabeça. E a guerra ainda mal começou. No caso do Algarve, só em 2006 foram definidas as novas regras.
“O que vale ao Algarve nesta competição é que tem um potencial de atractividade que outros destinos não têm”, disse ao António Pina, o presidente da Região de Turismo do Algarve, reconhecendo que zonas balneares menos interessantes do sul da Europa e norte de África estão a investir mais do que Faro na atractividade às companhias low cost.
As verbas investidas, que rondam os 500 mil euros por ano, agregam o chamado Fundo de Captação de Rotas, e saem directamente dos orçamentos da ANA (Aeroportos e Navegação Aérea), Turismo de Portugal e ATA (Associação de Turismo do Algarve), além - pelo menos teoricamente - de algum dinheiro privado.
Fonte que pediu o anonimato confessou ao que os privados – isto é, os hoteleiros do Algarve – não investiram até agora um tostão na captação de novas rotas, apesar de serem os principais interessados na vinda de “sangue novo”.
“Trata-se de um sistema de incentivos que nós temos para aliciar as companhias, mas as verbas são investidas directamente na promoção do destino em causa”, assevera Daniel Queiroz, director executivo da ATA.
Acrescenta que, por cada escalão e até um máximo de passageiros, o sistema de incentivos funciona, com pagamentos a posteriori e com base nos números fornecidos pela companhia em causa.
“Por exemplo, estamos agora a receber os números do Inverno IATA e em função disso haverá novos investimentos em promoção nessas rotas”, específica, salientando que – segundo as novas regras, em vigor desde 2006 – a ANA (uma das entidades financiadoras do esquema) tem sempre a possibilidade de controlar se os números são verdadeiros.
A distribuição do financiamento ao fundo também não é igual, com o Turismo de Portugal a disponibilizar quatro euros por cabeça, contra um da ATA e um da ANA.
Para que o sistema de “engodo” funcione, são necessárias três condições: que a rota em causa seja nova, que funcione durante todo o ano e que tenha mais do que uma frequência semanal e com prazo regular.
Em 2007, apenas quatro rotas tinham estes ingredientes essenciais: New Castle, Liverpool (ambas Easyjet), Madrid e Barcelona (ambas Ryanair), metade das quais – as duas últimas – foram, falando em bom português, “manteiga em focinho de cão”, pois desapareceram tão depressa como tinham aparecido. A rota de Barcelona, cancelada em Abril, não durou mais de seis meses.
“No caso de Barcelona, nem sequer houve hipótese de saber se era rentável, porque com um avião a sair às seis da manhã de Girona, a 80 quilómetros da cidade, é natural que o destino não se sustente por muito tempo”, queixa-se Daniel Queiroz, garantindo que a ATA fez um “enorme esforço” para convencer a Ryanair a manter o voo.
“As companhias aéreas não são o Pai Natal do Turismo”, adverte por seu turno Vítor Neto, presidente da Associação de Empresários da Região do Algarve (NERA), que sublinha – para quem se tenha esquecido - serem as empresas “uma actividade económica que visa dar lucro aos seus accionistas”.
“O raciocínio deles é: ‘vou testar uma nova rota, se aquilo resultar têm que nos pagar um xis por passageiro’. Neste contexto, as rotas que não tiverem interesse, fecham”, analisa, acrescentando que, no que respeita aos destinos, o raciocínio é: “Se eles trazem pessoas, e isso desenvolve a economia da região e do País, o que havemos de fazer?”. Mais vale pagar, portanto.

"Ir a jogo" é palavra de ordem

Igualmente pragmático, Francisco Pita – director de marketing da ANA para o aeroporto de Faro - resume: “As companhias têm a faca e o queijo na mão e nós temos que ir a jogo”. “Ir a jogo” é de resto uma expressão comum às personalidades auscultadas pelo e significa, como explica António Pina, “não abandonar a mesa das negociações”, ainda que – resumimos nós – o parceiro faça batota, pois é ele que, em última instância, decide quem vai arrebanhar a cartada.
Numa tentativa de explicar o que aconteceu com as rotas espanholas, Francisco Pita observa que, até 2006, não havia nenhuma rota entre Faro e qualquer cidade espanhola “e de repente passámos para uma dezena de ligações semanais”.
Graças a esse “boom”, a Ryanair – que continua na 7ª posição no ranking das low cost para Faro, numa lista liderada pela Easyjet – cresceu 113 por cento no último ano em Faro, mas o crescimento não chegou para justificar a manutenção das rotas espanholas.
“A sustentação de uma rota faz-se em seis meses a um ano, e nalguns casos de dois a três anos, o que faz de Barcelona, por exemplo, uma espécie de nado-morto ao qual não foi dada oportunidade, afirma, convencido de que a emergência de “desviar” aparelhos e outros recursos para a nova rota de Frankfurt também explica a decisão da Ryanair.
Apesar do sentimento geral para com as rotas espanholas ser “continuar a ir a jogo”, a aposta dos agentes turísticos é na proposta de outras cidades às companhias aéreas.
“Muitas vezes, só experimentando se consegue colher, pois se não há aviões não há fluxos, mas também é verdade que sem fluxos não há aviões”, sintetiza o director de marketing do aeroporto de Faro.
Numa coisa todos concordam: as low cost, que representam já 60 por cento do tráfego anual em Faro (no Inverno chega aos 70 por cento), vieram para ficar e a região não pode ficar deprimida e acabrunhada devido ao fim de duas ou três rotas, num contexto em que elas crescem como cogumelos.
"Temos que apostar em rotas ainda não exploradas. O Reino Unido e a Alemanha são muito importantes, mas estão esgotadas, há que continuar a experimentar e a atrair as companhias", interpela Francisco Pita.
(João Prudêncio)

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