A instalação de uma refinaria em Badajoz (Espanha) está a preocupar associações ecologistas portuguesas, que alertam para os «riscos de contaminação» das águas do Guadiana e «ameaças» às valências agrícola, de abastecimento público e turística do Alqueva.
A refinaria «poderá contaminar com hidrocarbonetos as águas superficiais e subterrâneas do Guadiana, incluindo a albufeira do Alqueva, os solos do leito e as margens do rio», alertou hoje o presidente do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), Carlos Costa, em declarações à agência Lusa.
«Porque a água necessária para o funcionamento da refinaria será captada na albufeira de Alange e, depois, despejada no rio Guadajira, um afluente do Guadiana situado a nordeste de Mérida (Espanha)», explicou.
Uma situação que, disse, «vai contaminar, em especial, a água, os solos e a biodiversidade do Guadajira e, por consequência, do Guadiana», além de «prejudicar ainda mais a qualidade deficitária das águas do Alqueva, devido à falta de tratamento das águas residuais a montante e que drenam para o Guadiana».
«Tudo isto poderá condenar os avultados investimentos nas valências agrícola e de abastecimento público de água do projecto Alqueva» e «ameaçar a atractividade do turismo e dos empreendimentos previstos para a região», alertou o também geólogo e professor na Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa.
Além dos riscos de contaminação, Carlos Costa alertou também para «o problema de se desviar para a refinaria uma quantidade preciosa de água da albufeira de Alange», que é «um importante instrumento de regulação da bacia do Guadiana, capaz de compensar perdas no caudal do rio previsto pela Convenção de Albufeira».
Neste sentido, alertou, «os promotores do projecto já pediram à Confederação Hidrográfica do Guadiana a concessão de quatro hectómetros cúbicos/ano de água da albufeira de Alange para tratar os crudes médios e pesados na refinaria».
«É criticável que o Governo espanhol possa fazer esta concessão e, muito menos, sem consultar o Governo português», lamentou, explicando «trata-se de uma quantidade de água, que vai deixar de ser usada para outros fins, sobretudo para recarregar o caudal do Guadiana».
«Se com água disponível, Espanha já não compensa as quantidades previstas na convenção com Portugal, para regular os caudais deficitários do Guadiana, muito menos o fará quando a água for desviada para fins industriais», vaticinou.
Apesar de frisar que «ainda estão por clarificar os impactos na atmosfera», Carlos Costa alertou também para «os riscos das emissões gasosas da refinaria, dependendo das condições atmosféricas, poderem contaminar e degradar a qualidade do ar nas localidades situadas nas imediações».
«Estima-se que as plumas gasosas podem afectar a atmosfera num raio de até 120 quilómetros», salientou, explicando tratar-se de «emissões de compostos orgânicos voláteis, óxidos de azoto acidificantes e precursoras na produção de ozono».
A proximidade do Parque Natural do Vale do Guadiana, vaticinou, «sugere também a necessidade de medidas preventivas para salvaguardar e conservar a natureza e a biodiversidade» da região.
A refinaria Balboa, um projecto liderado pelo grupo industrial espanhol Alfonso Gallardo e apoiado pela Junta da Estremadura, poderá «nascer» na Serra de São Jorge, província de Badajoz, a cerca de 50 quilómetros da fronteira com Portugal.
O projecto, que poderá tornar-se a décima refinaria de petróleo em Espanha, prevê um investimento total de 1,2 milhões de euros para produzir mais de cinco milhões de toneladas de produtos petrolíferos, metade dos quais gasóleo, estando a facturação anual estimada em mais de 5.700 milhões de euros.
O grupo promotor já entregou o projecto ao ministério espanhol do Ambiente, estando actualmente a decorrer a Avaliação de Impacte Ambiental, seguindo-se uma fase de consulta pública.
Só depois o Governo espanhol irá emitir um parecer onde consta a Declaração de Impacte Ambiental, favorável ou desfavorável à concretização do projecto.
A memória-resumo do projecto, disponível no site do grupo Gallardo e na qual não consta a quantidade de poluentes que a refinaria deverá despejar na bacia do Guadiana, explica que «as descargas finais, sempre com a qualidade exigida pela Autorização Ambiental Integrada, irão para um caudal público, sendo a Confederação Hidrográfica do Guadiana a responsável pela de autorização do local».
Os previsíveis impactos negativos da refinaria já preocupam associações de defesa do ambiente e património portuguesas e a organização não governamental espanhola Plataforma Cidadã Refinaria Não (PCRN), que contestam o projecto.
Assim, o GEOTA, em parceria com a Liga para a Protecção da Natureza, PCRN e Associação de Defesa do Património de Mértola, promove terça-feira, no Auditório Municipal de Moura (Beja), um colóquio, para «discutir estas preocupações e alertar para os riscos esperados com a instalação da refinaria».
Para o geólogo, é «surpreendente que a instalação de uma refinaria em Badajoz seja um assunto praticamente desconhecido em Portugal» e «bastante preocupante que o Governo, sobretudo os ministérios do Ambiente e dos Negócios Estrangeiros, não se pronunciem».
«Queremos acabar com este silêncio e tornar públicas as preocupações e os riscos decorrentes da instalação da refinaria, que deve preocupar os portugueses, nomeadamente aqueles que vivem na dependência da bacia do Guadiana», concluiu.