quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Cinema - "Está na hora de acordar o passado"







"Julgamento": Um filme para acordar o passado, estreia hoje.


Com um elenco que inclui Júlio César, Alexandra Lencastre, Fernanda Serrano, Henrique Viana (no seu último papel), José Eduardo e Carlos Santos, "Julgamento" é uma prova de talento interpretativo que ganha ainda pelo equilíbrio que se mantém no argumento e na realização. Exploração de um presente atribulado por fantasmas do passado, é um dos mais consistentes filmes portugueses dos últimos tempos e talvez o mais conseguido de Leonel Vieira. A descobrir a partir de hoje nas salas de todo o país.

Um dos temas recorrentes de parte do cinema português dos últimos anos é o do passado recente do país, em particular questões relacionadas com o antigo regime, exploradas em títulos como "Inferno" ou "20,13", de Joaquim Leitão; "Os Imortais", de António-Pedro Vasconcelos; "Capitães de Abril", de Maria de Medeiros; ou "Preto e Branco", de José Carlos de Oliveira, entre outros. "Julgamento", de Leonel Vieira, também volta a mexer em algumas feridas eventualmente por sarar, uma vez que no centro dos acontecimentos estão reminiscências de torturas efectuadas pela PIDE a alguns dos protagonistas, obrigando-os a lidar com fantasmas de uma outra época que regressam através de um reencontro inesperado.
“Julgamento” conta a história de Jaime Ferreira (Júlio César), um professor universitário alcoólico e atormentado, que um dia se vê confrontado com o seu maior sonho e o seu pior pesadelo: encontrar o inspector da PIDE que, durante a ditadura de Salazar, o prendeu, torturou e matou Marcelino, um dos seus camaradas.
É num julgamento em que a sua filha Catarina (Fernanda Serrano) é advogada de defesa, que Jaime reconhece no arguido o homem que durante todos estes anos assombrou as suas memórias.
Confrontado com este facto inesperado e perturbador, partilha a sua descoberta com Joana (Alexandra Lencastre), a filha de Marcelino, com quem mantém uma relação algo tumultuosa, e com dois amigos dos tempos da luta antifascista, Miguel (José Eduardo) e Henrique (Henrique Viana). O primeiro é um médico dedicado, mas com um casamento periclitante, o segundo é um político bem sucedido, que hoje se movimenta naquela área cinzenta entre o poder e as finanças.
A revelação desperta sentimentos confusos em todos, mas é Jaime que, num momento de impulso irreflectido, embarca num caminho sem retorno: rapta o ex-PIDE e leva-o para a sua casa de campo, um lugar recôndito e aprazível que, pouco a pouco, se transforma numa arena onde as emoções mais intensas andam à solta.
Perante a insistência do sequestrado, que nega sempre ser quem eles pensam, Jaime e Miguel vão aumentando a intensidade dos meios que usam para extrair as informações que pretendem.
Da intimidação e pressão psicológica passam, quase sem dar por isso, para a violência física, cruzando a barreira que separa os torturados dos torturadores. Pouco a pouco vão-se esbatendo as fronteiras entre a justiça e a vingança, os ideais e o olho-por-olho, o certo e o errado, num crescendo de tensão que põe à prova amizades, relações e fidelidades.
Presos numa espiral descendente que os conduz inexoravelmente aos seus infernos particulares, Jaime, Joana, Miguel e Henrique vão ter de descobrir dentro de si quais os valores que verdadeiramente regem as suas vidas, e decidir onde estão os limites que não podem ultrapassar.

"Julgamento" poderá não ser ainda o filme que levará a que Leonel Vieira seja considerado um "autor" pelos seus detractores, mas é um digno exemplo de cinema que tem em vista o grande público sem prescindir de uma abordagem inteligente às questões que foca, servindo-a com uma profissionalíssima embalagem industrial. Caso raro tanto em filmes portugueses como estrangeiros, e que por isso mesmo impõe que este seja saudado, visto e divulgado.
A não perder!


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