Pobreza: Números sobre realidade em Portugal envergonham Cavaco Silva
O Presidente da República afirmou hoje que os últimos números sobre a pobreza, que colocaram Portugal entre os mais pobres da União Europeia, são motivo de vergonha e defendeu que sozinho, o Estado não consegue melhorar a situação.
"Envergonho-me um pouco desta posição", afirmou Cavaco Silva na inauguração do Banco de Bens Doados, na Quinta do Cabrinha, uma nova instituição de apoio social, referindo-se à posição de Portugal na lista dos "10 países em maior risco de pobreza" na União Europeia e ao nível de "desigualdade na distribuição de rendimentos" referidos nos últimos números do Instituto Nacional de Estatística (INE).
"Estou convencido que o Estado só por si não consegue resolver estes problemas", acrescentou o chefe de Estado, afirmando que é preciso que "os cidadãos se organizem, trazendo ao de cima a sua consciência social" para combater a pobreza.
O combate ao abandono escolar e a promoção do emprego para criar condições que permitam fugir à pobreza são também partes da solução apontadas por Cavaco Silva, que falava aos jornalistas quando foi confrontado com um protesto inusitado de um duo de humoristas.
Enquanto o Presidente falava aos jornalistas, um burburinho entre os jovens do bairro da Quinta do Cabrinha foi crescendo até se tornar ensurdecedor, ajudado pelo megafone e pela guitarra dos "Homens na luta", do programa "Vai Tudo Abaixo!", da SIC Radical.
Surpreendido, Cavaco ainda se dirigiu sorridente para o centro da agitação, mas os homens da segurança e da polícia, a princípio baralhados, estabeleceram uma barreira entre o Presidente e os humoristas, acabando por conduzi-lo rapidamente para o seu automóvel.
"Esta gente não quer continuar a ser ostracizada!", gritava um dos "Homens na Luta", que passado um minuto de confusão e concluída a rábula, se retiraram tão depressa quanto tinham aparecido no bairro social que recebeu Cavaco com palmas.
A visita estava já na fase final, depois de o presidente ter visitado o armazém do Banco de Bens Doados, uma nova instituição que segue o modelo do Banco Alimentar Contra a Fome, recolhendo artigos não perecíveis para distribuir por instituições de solidariedade social e contando exclusivamente com donativos de empresas.
Cavaco Silva viu algum do material já recolhido, que inclui mobiliário, produtos de limpeza, livros, vídeos, carrinhos de bebé e material electrónico.
A responsável do Banco, Isabel Jonet, afirmou que o material recolhido será distribuído pelas instituições de acordo com a actividade que desempenham e o tipo de população que ajudam, com a ajuda de um programa informático desenvolvido para o efeito.
Assim, sem terem de gastar dinheiro com os bens fornecidos pelo Banco, as instituições ficarão mais aliviadas financeiramente para contratar mais pessoal ou gastar em outras áreas onde tenham carências.
Isabel Jonet afirmou que instalação do Banco na Quinta do Cabrinha, num parque de estacionamento propriedade da Câmara de Lisboa que nunca foi utilizado, se destina também a a "contribuir para a recuperação do bairro e ajudar os moradores, envolvendo-os" em acções de voluntariado.
O Banco, que não recebe artigos em segunda mão, só novos, terá também uma oficina de marcenaria e informática.
Receberá ainda equipamentos electrónicos e eléctricos, aproveitando os que ainda podem ter uso e encaminhando os restantes para reciclagem.
Cavaco Silva considerou a iniciativa um "bom exemplo do envolvimento cívico para a inclusão social".
Problema atinge o interior - Fome atinge 35 mil no Algarve
Cerca de 35 mil residentes no Algarve passam fome ou têm carências alimentares graves, disse ao Observatório do Algarve o presidente do Banco Alimentar contra a Fome na região, Adriano Pimpão. Hoje, 17 de Outubro, é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza.
As principais vítimas da fome na região são as crianças e os idosos e a carência é maior nas zonas rurais envelhecidas, “onde a população mais velha não tem recursos nem mobilidade para ir adquirir bens, nem força para continuar na agricultura de subsistência”, diagnosticou o antigo reitor da Universidade do Algarve.
Por outro lado, nos subúrbios das cidades, a fome faz mais vítimas entre as crianças, obrigadas a ficar em casa entregues a si próprias ou a chegar à escola sem o pequeno-almoço, apontou Adriano Pimpão, que desde Maio preside ao novo Banco Alimentar algarvio. Nestes casos, é muitas vezes à escola que compete o combate à fome, através dos alimentos da acção social escolar.
A chamada “pobreza envergonhada” atinge também as populações mais idosas, cujo problema de fundo só se consegue debelar através da assistência domiciliária, enfatizou Adriano Pimpão, 59 anos, que prefere não falar de 35 mil pessoas “com fome”, substituindo a expressão por “carências alimentares graves”.
Apesar da crueldade fria dos números do Algarve, Pimpão sublinha que os oito por cento de carenciados algarvios ficam aquém dos 19 por cento apontados por um estudo divulgado esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística.
Banco Alimentar recolherá quase 200 toneladas em 2007
A funcionar desde Maio deste ano no Algarve, o Banco Alimentar contra a Fome accionou uma recolha de alimentos em grandes superfícies da região, logo no primeiro fim-de-semana daquele mês, que rendeu 90 toneladas de alimentos.
Para 1 e 2 de Dezembro está prevista uma nova acção que deverá recolher cerca de 100 toneladas, pois “no Natal as acções recolhem mais alimentos”, de acordo com o presidente do organismo.
Detentor de um armazém de mil metros quadrados no bairro do Bom João, em Faro, o Banco tem apenas um funcionário fixo – além de uma direcção de sete pessoas que trabalham a título gracioso - mas consegue mobilizar cerca de um milhar de voluntários nos dias de recolha, feita em supermercados e hipermercados de todo o Algarve.
A onda solidária, suportada por publicidade institucional nas rádios, televisões e jornais, leva milhares de pessoas a comprar bens alimentares que depois deixam em carrinhos às portas dos supermercados no final das compras.
A pedido da Federação dos Bancos Alimentares de Portugal, esses bens são sobretudo alimentos não deterioráveis – massas, arroz, latas de legumes, leites de longa duração, etc. -, mas o próximo projecto do Banco algarvio poderá levar outro tipo de alimentos ao armazém do Bom João, já que se perspectiva a compra de um sistema de congelação.
“Em seis meses de funcionamento já distribuímos 100 toneladas de alimentos”, revela Adriano Pimpão, salientando que às 90 toneladas recolhidas em Maio se juntam todas as semanas carregamentos de alimentos oferecidos por empresas de todo o País.
Depois de devidamente escolhidos e divididos, os alimentos são distribuídos por instituições de solidariedade social de toda a região, que os entregam a quem necessita. Neste momento o Banco Alimentar do Algarve trabalha com 40 dessas instituições.
Segundo Adriano Pimpão, até agora foram beneficiadas pela entrega de alimentos cerca de 1.700 famílias de todo o distrito, num total de cinco mil pessoas, mil das quais crianças.
Além do alargamento da distribuição a mais famílias carenciadas, o organismo pretende avançar com um programa de micro-crédito, para ajudar os mais pobres a criar o seu próprio negócio, numa tentativa de “dar a cana e ensinar a pescar em vez de dar o peixe”.
Para já, com apenas seis meses de vida, o Banco Alimentar do Algarve é o quinto do País em número de alimentos recolhidos, o que, sublinha o catedrático da Universidade do Algarve, “desmistifica o sentimento às vezes dominante de que não somos uma região solidária”.
“Todos os dias recebemos telefonemas de pessoas que querem tornar-se voluntários para as acções”, diz. Para a acção de 1 e 2 de Dezembro já há mais de mil voluntários.
(João Prudêncio - jornalista)
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