"Adriano Aqui e Agora": O regresso da música de intervenção, 25 anos depois!
Amanhã passam vinte e cinco anos da morte de Adriano Correia de Oliveira, um dos cantores mais marcantes e simultaneamente mais esquecidos da música portuguesa. Evoluindo dos fados de Coimbra dos tempos de estudante para a música de intervenção, na sua obra contam-se algumas das palavras mais contestatárias do antigo regime, que voltam a ser celebradas através de uma nova geração de artistas. Em "Adriano Aqui e Agora - O Tributo", disco editado hoje, as suas canções surgem revisitadas e recontextualizadas por nomes tão diversos como Tim, Raquel Tavares, Miguel Guedes (Blind Zero) ou Micro Audio Waves, numa oportunidade para resgatar o músico do esquecimento generalizado.
A morte precoce de Adriano Correia de Oliveira será, talvez, o principal motivo pelo qual o seu nome não é reconhecido junto daqueles que não viveram os dias da revolução, uma vez que, ao contrário da obra de Sérgio Godinho ou José Mário Branco, a sua não teve continuidade nas últimas décadas.
Foi para combater este esquecimento, ou em muitos casos desconhecimento, que a Movieplay, editora que detém os direitos da discografia, propôs a Henrique Amaro convocar catorze artistas para um álbum de tributo ao cantor. Um dos principais divulgadores da nova música que se faz por cá, o radialista da Antena 3 reuniu em "Adriano Aqui e Agora - O Tributo" músicos de gerações e estilos distintos, desde veteranos como Tim, dos Xutos & Pontapés, a estreantes como Vicente Palma, o filho de Jorge Palma que tem aqui a sua primeira gravação a solo.
Amaro é o próprio a reconhecer que o seu contacto com a obra de Adriano era escasso, tendo aproveitado a proposta para mergulhar a fundo numa discografia que só conhecia superficialmente, situação partilhada pela maioria dos artistas que participam no disco, para os quais o cantor era uma figura pouco familiar.
Depois desta experiência, encaram-no de outra forma, e Vicente Palma admira a coragem expressa nas suas letras, salientando que "cantou quando ninguém cantava", a fadista Raquel Tavares refere que "podemos retirar-lhe essa conotação política que não deixa de ser música de grande qualidade", e Shahryar Mazgani sintetiza a ideia que originou a homenagem ao dizer que "a arte vive para além das razões que a levam a ser criada".
De facto, se uma boa canção é aquela capaz de resultar em abordagens e contextos díspares, então as de Adriano enquadram-se nesse lote, já que funcionam nas mãos - ou vozes - de músicos cuja sonoridade está, aparentemente, muito distante daquela praticada pelo cantor.
É o caso dos Micro Audio Waves, que não prescindem do seu pronunciado travo electrónico na versão de "O Sol Préguntou à Lua", transformando uma canção popular num tema atmosférico e contemplativo sem contudo a desvirtuarem. Ou de Valete, que mesmo fugindo da linguagem hip-hop que o caracteriza oferece uma pouco canónica revisão de "Menina dos Olhos Tristes", mantendo a inquietação e angústia do original.
No extremo oposto, Sebastião Antunes, da Quadrilha, apresenta uma "Canção do Linho" assente em raízes tradicionais, onde não falta a gaita de foles, a flauta ou o bandolim, e Tim mostra-se em "Tejo que Levas as Águas" num formato mais apaziguado do que o habitual, longe dos contornos rock da sua banda. Outras recontextualizações interessantes são a da colaboração de Ana Deus, dos Três Tristes Tigres, com os Dead Combo em "Trova do Vento que Passa", talvez a canção mais emblemática de Adriano que aqui alia a expressividade singular da vocalista à guitarra e baixo astutos de Tó Trips e Pedro Gonçalves.
Raquel Tavares liberta a alma fadista, discretamente e sem piruetas vocais, em "Cantar Para um Pastor"; Vicente Palma evidencia-se um talento a ter em conta na bela aliança entre voz e piano de "Para Rosalía"; Nuno Prata, ex-Ornatos Violeta, respira espontaneidade em "Fala do Homem Nascido", conseguindo tornar simples uma complexa diversidade instrumental; e Margarida Pinto é excelente em "Charamba", alicerçando-se em influências do fado e da electrónica numa das suas melhores interpretações, onde felizmente a sua voz não surge abafada por texturas, ao contrário do que ocorreu no mais recente disco dos Coldfinger.
Cindy Kat, Miguel Guedes (dos Blind Zero), Celina da Piedade (colaboradora de Rodrigo Leão e elemento dos Uxu Kalhus), Shahryar Mazgani e Pedro Laginha (dos Mundo Cão) são os restantes músicos que dão voz e alma ao projecto, contribuindo para que "Adriano Aqui e Agora - O Tributo" seja um disco conseguido, capaz de oferecer algo que entusiasme adeptos de estilos musicais diversificados e, de preferência, despertar-lhes a curiosidade para ouvir ou recordar os originais. Talvez assim Adriano Correia de Oliveira volte, de facto, a estar aqui e agora, vinte e cinco anos depois de um inexplicável esquecimento.
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