CONDUÇÃO:
Qualquer infractor pode beneficiar do regime 'gato fedorento'!
Um automobilista fiscalizado com mais de 1,2 gramas de álcool no sangue pode escapar ao procedimento criminal determinado na lei, caso o juiz de instrução aceite que seja «um processo sumaríssimo» e não tenha cadastro como condutor.
Foi isto que aconteceu ao 'gato fedorento' José Diogo Quintela, fiscalizado na madrugada do dia 01 em Lisboa com 1,6 grs/l de álcool no sangue, e ao futebolista do Benfica Luisão, apanhado em Janeiro do ano passado com 1,33 grs/l, mais 0,83 grs/l do que é permitido por lei.
Na quarta-feira, quando José Diogo Quintela foi presente a tribunal, outros automobilistas detectados na mesma noite com uma taxa de álcool igual ou superior a 1,2grs/l (a partir da qual a infracção é considerada crime) viram o juiz decretar-lhes a suspensão do processo por um período de quatro meses e a condenação ao pagamento de 400 euros à Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (APPC), disse à agência Lusa a defensora do humorista.
A advogada Ana Rita Campos sublinhou à Lusa que o 'gato fedorento' não foi alvo de «qualquer tipo de discriminação positiva» e que esta foi apenas «uma situação completamente trivial» e prevista no artigo 281 do Código do Processo Penal (Suspensão Provisória do Processo).
A causídica explicou que, a pedido da defesa e com a concordância do procurador do Ministério Público (MP), o humorista foi sujeito, por decisão do juiz de instrução, «a um processo sumaríssimo que determina a injunção (pagamento a uma instituição de solidariedade social) e à imposição de uma regra de conduta» de 40 horas de trabalho comunitário.
«Num processo destes não se aplicam penas criminais», disse a advogada, referindo que qualquer condutor pode solicitar ao MP este mecanismo legal, evitando assim um julgamento pela infracção criminal e uma coima que pode ir de 500 a 2.500 euros (pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias, com uma sanção acessória de proibição de conduzir entre três meses e três anos).
Para este efeito, o condutor detectado tem de ser primário (não ter qualquer antecedente por questões graves de trânsito) e ter um nível de culpa diminuído, ou seja, não ter sido fiscalizado a fazer uma condução perigosa ou tentado fugir às autoridades, entre outras.
«A injunção é determinada pelo juiz e não depende do montante mínimo ou máximo da multa estipulada em julgamento», avançou Ana Rita Campos.
A advogada sublinhou que José Diogo Quintela e os outros automobilistas na mesma situação terão o processo suspenso por quatro meses, o que significa que, se nesse período não cometerem qualquer ilícito de trânsito, ficam-se pelo donativo de 400 euros e escapam ao procedimento criminal e à apreensão da carta de condução.
Caso cometam alguma transgressão nesse período, os condutores serão sancionados por essa infracção e a infracção que tinham suspensa passa a criminal e serão julgados e condenados também por ela.
Ana Rita Campos vincou que este «é um critério de consensualidade e não de legalidade estrita», havendo acordo entre a Justiça e o infractor para compor o litígio e evitar que o condutor volte a cometer o mesmo ilícito.
«Escapa um bocadinho à legalidade estrita e estando prevista na lei [artigo 181 do Código do Processo Penal (CPP)] pode ser accionada com a concordância do MP e do juiz de instrução», concluiu, admitindo que passa pela boa vontade e visão destas duas partes.
Sobre esta questão, o procurador António Ventinhas, da direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), considerou, em declarações à Lusa, que «não existe uma uniformidade de procedimentos».
«Há comarcas onde se aplica [a suspensão provisória do processo], há outras onde não se aplica», disse o magistrado, alertando que, «com a actual revisão do CPP, as dúvidas quanto à aplicação deste instituto aumentam ainda mais».
«A norma exige agora que o arguido não tenha beneficiado de uma suspensão provisória anterior, mas não existe uma base de dados a nível nacional onde a aplicação de tais medidas se encontre inscrita», criticou.
Na opinião do magistrado, «legislou-se partindo do pressuposto que existiam meios que na verdade não existem e ainda não foram criados desde a alteração da lei».
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